Por Dr Adriano Oliveira

Infecção do trato urinário (ITU) é um evento predominantemente feminino. Existem inúmeras explicações para esse fato. A mulher, ao contrário do homem, tem características que facilitam o surgimento de ITU que vão desde hábitos de vida até a anatomia.

O ser humano tem cerca de 10 trilhões de células. Bastante não é? Pois bem, temos de cinco a dez vezes mais de bactérias! É muita bactéria! Dessa forma, ao contrário do que algumas pessoas acreditam, conviver com bactérias no nosso corpo não só é uma realidade universal, como é necessário à vida! Elas não estão aí à toa, têm uma razão de ser. Discutiremos essa questão em outra ocasião. Fato é que cerca de 40% desses micro-organismos estão presentes no intestino. E qual a importância disso? Essa bactéria intestinal, particularmente conhecida Escherichia coli, principal causadora de ITU, sai do intestino via orifício anal e torna-se habitante natural da região próxima à genitália. Quando digo “habitante natural”, significa que essa não é uma questão patológica ou que esteja faltando limpeza. Essa é a condição normal do ser humano mesmo nas pessoas mais higiênicas.  Acontece que essa bactéria que habita a genitália e que é proveniente do intestino tende a expandir seu território. Dessa forma, se o organismo humano ao consentir, ela poderá entrar pela uretra e ascender até porções mais altas do trato urinário*. Assim, bactérias normais do nosso corpo podem ir para um habitat não habitual (uretra e bexiga), podendo ou não produzir doença (vide conceito de colonização e infecção abaixo).

E por que a ITU é mais comum em mulheres?

A primeira razão é de natureza anatômica. A uretra feminina é curta. O homem, devido à presença do pênis, tem cerca de vinte a vinte e cinco centímetros de uretra. As mulheres têm cerca de quatro a cinco centímetros. Qual a importância disso? Ora, se a bactéria que habita a genitália tiver que subir toda a extensão da uretra para chegar à bexiga, o fato da mulher ter um órgão com menor comprimento facilita essa escalada.

A segunda razão é de natureza comportamental. O Jato da micção que passa pela uretra pode expulsar bactérias que porventura estejam no lumem do órgão. Mulheres não têm o hábito de urinar com frequência. Muitas referem um certo pudor de urinar em banheiros fora de seu domicílio ou dizem que têm uma certa repulsa em usar banheiros públicos. Não é infrequente a mulher urinar de manhã, logo ao acordar e só voltar a urinar de noite ao voltar para casa. Dessa forma, elas frequentemente abrem mão de fazer a higiene natural que a urina provoca ao passar pela uretra.

Outros fatores podem fazer parte dos riscos que levam a uma ITU na mulher. O mais importante deles é a atividade sexual. Sabe-se que a mulher sexualmente ativa tem cerca de 900% mais chance de ter uma ITU. Mas porque isso acontece? Seria a ITU uma doença sexualmente transmissível (DST)? Por conceito, uma DST é uma patologia cujo agente infeccioso é passado de uma pessoa para a outro por ocasião do ato sexual. Como vimos acima, a ITU é causada por bactérias provenientes da própria mulher. Assim sendo, a ITU não se encaixa no conceito de DST. Então por que o aumento da atividade sexual tem impacto na incidência da ITU? Bem, no coito vaginal, em geral, a mulher tem prazer sexual provocando o atrito do clitóris junto à região pubiana do parceiro. Como o orifício de saída da uretra está logo abaixo do clitóris, esse atrito joga muitas bactérias da própria vulva para dentro da uretra. Esse talvez seja o momento de maior vulnerabilidade feminina no que tange à aquisição de ITU. Vale lembrar que outros atritos na região, mesmo na masturbação, podem provocar esse mesmo mecanismo.

Colonização e infecção

A simples presença de bactéria no trato urinário nos garante o diagnóstico de infecção? Se eu for ao médico e ele me pedir uma urocultura e esta vir positiva para uma bactéria? Isso significa que eu tenho infecção urinária? A resposta para ambas as perguntas é não!

A simples presença de um micro-organismo na superfície corporal sem que ele esteja invadindo os tecidos é conhecido como colonização. Essa superfície pode ser externa na pele ou interna, a superfície do trato urinário, por exemplo, Essa bactéria na maioria das vezes está em equilíbrio com o corpo humano e não consiste num agressor. Normalmente, nesses casos, o paciente não tem sintoma! Muitas vezes a urocultura é solicitada num check up médico sem que o paciente tenha nenhuma queixa específica relativa ao trato urinário.

Já na infecção, a bactéria passa dos limites da superfície corporal, invade níveis abaixo dessa superfície e, acima de tudo, prejudica o funcionamento normal da região ou órgão. Com isso, advêm os sintomas. Desconforto miccional (disúria) caracterizado por dor ou ardência à micção, tendência a urinar várias vezes pequenas quantidade de urina (polaciúria), sangramento urinário (hematúria), dor na parte central do baixo ventre, tenesmo urinário que é a vontade de urinar o tempo todo sem, contudo sair urina. Febre não é um sintoma comum quando a infecção atinge apenas a bexiga (cistite). Quando a bactéria consegue chegar a sítios acima da bexiga (ureter, pelve renal e rim) temos infecções mais graves com surgimento de febre, dor intensa no trajeto do ureter e/ou rim atingido.

Ao contrário do que se pensa, não se deve tratar a colonização exceto em situações muito especiais como é o caso da mulher grávida e da criancinha. Quais as desvantagens de se “tratar” uma colonização? Primeiro: se a paciente é colonizada, provavelmente existe um fator intrínseco a ela que favorece isso. Dessa forma, se insistirmos em retirar uma bactéria colonizante, outra virá ocupar seu lugar. O próximo micro-organismo pode não ser tão “pacífico” e viver em equilíbrio com o corpo da paciente, podendo assim, ser um infectante e aí sim, termos a necessidade de usar antibióticos. Bactérias não invadem o espaço umas das outras. Se o colonizante ocupa o trato urinário, isso inibe o aparecimento de qualquer outra bactéria na mesma região do corpo, servindo assim de proteção para a mulher. Segundo: quando usamos antibióticos sucessivamente estamos fazendo uma pressão para que as bactérias do corpo humano desenvolvam resistência. Se no futuro um micro-organismo resistente provocar uma infecção, teremos um número reduzido de antibióticos aptos a combater a bactéria. Dessa forma, fica claro que exceto nas situações que apontamos acima, não há vantagem em usar antibióticos para retirar bactérias do trato urinário de pessoas previamente saudáveis e que não tenham sintomas.

Por outro lado, algumas mulheres fazem parte de uma linhagem inteira de outras mulheres que tem ITU de repetição. Aparentemente o fator genético influencia nesse padrão. Sabe-se que meninas jovens que tem ITU cedo na vida em geral são filhas de mulheres que tem ITU de repetição. Essas por sua vez são filhas, netas ou sobrinhas de outras tantas que também tem ITU com frequência.

Como pode-se evitar ITU no sexo feminino?

Diante do texto acima, podemos inferir algumas regras básicas que ajudam as mulheres a terem menos ITU.

1o) Não se deve prender a micção por muito tempo. Mais que isso, deve-se provocar mais micções ao longo do dia! Assim sendo, deve-se ingerir quantidades constantes de líquidos ricos em água para se ter urina fluida e frequente. É importante afirmar que a despeito do asco que possa provocar, um banheiro sujo não transmite doenças sexualmente transmissíveis. Ninguém pega sifilis, condiloma ou até corrimentos vaginais em banheiro público. É possível sim, que em banheiros carentes de higiene seja adquirido parasitoses, micoses e outras infecções.  Esse tipo de situação deve ser evitado, porém não às custas de não urinar.

2o) Após cada relação sexual ou masturbação deve-se urinar. É importante limpar a uretra nessas horas. Esse é o momento de maior vulnerabilidade da mulher

3o) Penetração anal não é proibida, porém, não pode ser seguida de uma penetração vaginal. Caso contrário, estaremos levando mecanicamente bactérias do intestino feminino para a vagina, aumentado a população bacteriana na região próxima à saída da uretra.

4o) Uso de antibióticos deve ser cuidadoso. Você talvez ache estranho, mas o uso corriqueiro de antibióticos favorece o aparecimento de ITU. Estudos clínicos evidenciam que mulheres que usam amoxacilina por uma semana aumentam em três vezes a possibilidade de ter uma infecção urinária nos próximos dois meses. Mas como o uso de antibióticos pode provocar infecção? Não seriam eles justamente a arma que usaríamos para combater uma? Bem, vocês viram no início desse texto que eu disse que nosso corpo tem dezenas de trilhões de bactérias, não foi? Disse também que muitas delas são nossas amigas. Quando usamos um antibiótico infelizmente ele não funciona como um míssil teleguiado que vai matar somente as bactérias que nos interessam. Essas substâncias matam todos os micro-organismos que estão ao seu alcance, sejam eles bons ou ruins. Na vagina existem inúmeras espécies de bactérias do gênero lactobacilo. Como disse acima, quando uma bactéria ocupa um espaço ela inibe que outras avancem no seu território. Porém, a amoxacilina assim como vários outros antibióticos ativos contra os lactobacilos podem criar um vácuo microbiológico na vagina abrindo espaço para Escherichia coli e outros agentes patogênicos que passam a habitar a vagina e aumentam a população bacteriana próxima à uretra. Por esse e outros motivos é muito importante usar antibióticos de forma racional. Vale lembrar que a prescrição de antibióticos frequentemente carece de racionalidade, particularmente nas infecções de vias aéreas superiores (gripes, resfriados, sinusites, laringites, bronquites) que via de regra são patologias de origem viral que não mereceriam antibioticoterapia numa visão mais ponderada. Prescrições dessa natureza  não beneficiarão o paciente já que a doença é causada por vírus e esses patógenos não são sensíveis aos antibióticos. Restam apenas os eventuais prejuízos causados pelos antibióticos, particularmente a resistência bacteriana.

5o) É raro, porém, algumas mulheres que usam espermicidas como método anticoncepcional. Alguns espermicidas podem matar os lactobacilos e funcionam como os antibióticos facilitando acúmulo de bactérias patogênicas na vagina. Nesses casos é interessante procurar outras formas de anticoncepção,

6o) Para aquelas em que todas essas estratégias não funcionam vale uma consulta com especialista para intervenções medicamentosas. Algumas substâncias usadas de forma regular ou somente no pós-coito podem evitar novas infeções urinárias.

Lendas

Existem crenças de que algumas situações podem facilitar infecções urinárias mas carecem de validação científica. Por exemplo, algumas pessoas acreditam que usar determinados veículos como bicicleta, andar a cavalo ou motocicleta poderiam causar infecção urinária. O raciocínio seria de que tais veículos provocariam atrito na genitália facilitando a ascensão das bactérias pela uretra. Felizmente essa afirmação não se confirma em estudos científicos. O mesmo pensamento seria em relação a roupas muito apertadas. Calças feitas de jeans e de outros tecidos poderiam também facilitar a entrada das bactérias no trato urinário. De novo esse fato não parece ser importante para fazer surgir infeções. É importante não confundir infecções urinárias com infecções genitais. Da mesma forma o tipo de tecido que se usa na roupa intima, apesar de poder facilitar infecções vaginais na visão de alguns ginecologistas, não influenciam no surgimento de ITU. Ducha vaginal também não parece fazer diferença.

Conclusão

A ITU é um fenômeno muito comum no sexo feminino e extremamente influenciada pelo comportamento da mulher. Mudanças nos hábitos de vida podem ser fundamentais para evitar as chamadas infecções de repetição que tanto atordoam algumas mulheres. Nos casos refratários uma consulta com um especialista é necessária para eventuais intervenções medicamentosas e melhor estudo da anatomia para identificação de eventuais fatores que estejam fazendo a infeção voltar.